domingo, 17 de junho de 2012

ENTREVISTA (OU PAPO FURADO)


Estou sentado de frente ao entrevistador e escuto - ou não - toda a lavagem cerebral que ele tenta aplicar.

Saio do banho e escolho uma de minhas melhores camisas. Cabelo arrumado, barba feita, loção pós barba e perfume. Relógio no pulso. Eu já devia ter sacado daí que estava sendo abusado. De certa forma sabia. Abstraio. Junto os documentos e vou ao encontro marcado. A corda está no pescoço com o nó dado.
O local é um hotel. Aguardo um tempo no hall de entrada e depois me mandam para uma sala. Cadeira, mesa, cadeira. É a sala do interrogatório. Fico sozinho por mais um tempo. Deve ser parte do plano. A porta se abre. Vai começar. Nesse caso não existe o policial bom e o policial mau. Um engravatado faz o serviço dos dois. O policial bom começa. Sua forçada simpatia é irritante. Pergunta da minha vida como se realmente se importasse. Fala de sua vida como se eu me importasse. O próximo passo é tratar do cargo em questão. Diz todos os "benefícios". Foi rápido. Vez do policial mau. Fala de toda a merda. Fala e observa minha reação. Ele precisa saber se vou aguentar todo o estupro físico e psicológico. Não foi rápido. Mantive minhas expressões faciais inertes. Os tempos de poker me ajudaram. Não demonstrei meu desprezo. Não demonstrei nada. Vejo sua insatisfação por não ter conseguido. Escolhe falar da empresa. O policial bom volta. Diz o quanto é bom servir aquela empresa. O quanto eu posso "crescer" lá dentro. Maravilha! Ele me conta o seu conto de fadas. Diz que começou no mesmo cargo que eu. "Hoje sou casado e tenho uma vida financeira estável". Lixo. "Trabalhar aos domingos e feriados já é parte da minha vida. Domingos são chatos". Lixo. "Uma grande empresa, com grandes oportunidades". Lixo. Lixo. Lixo...

Estou sentado de frente ao entrevistador e escuto - ou não - toda a lavagem cerebral que ele tenta aplicar. Lixo. Deixo completamente de ouví-lo. Sua voz está distante. Ouço o ar condicionado funcionar. Ouço o falatório que começa fora da sala. Ouço minha cabeça gritando para parar. Agora o abuso já está presente demais para abstrair. Mantenho minhas expressões ainda inertes. O fôlego minguou. Não sobrou quase nada. Finjo ouvir o policial bom para ver até onde aguento. Ele para. Me entrega um questionário para finalizar toda a merda. "Responda esse questionário. Logo eu volto para buscá-lo". Estou sozinho de novo. É bom estar sozinho. Leio o questionário e sinto o mesmo cheiro podre de toda a conversa. "O que você espera da empresa?", "o que a empresa pode esperar de você?", "o que você acha de trabalhar aos domingos e feriados?", "porque esse trabalho é importante para você?"... lixo. Decido mudar o rumo das coisas. Respondo com total sinceridade as perguntas. Grito no papel toda minha náusea. Falo meus reais interesses e critico toda a groselha que tentaram me convencer. "Qual sua maior qualidade e seu maior defeito?". "sinceridade, nos dois casos", respondo. Acabo. Fico aguardando por mais alguns minutos na sala. O engravatado volta. Pergunta se eu terminei. Levanto e o encaro. Abro um sorriso sarcástico no rosto - o primeiro da entrevista - e estico o braço para entregá-lo. Ele devolve o sorriso com a ignorância de sua simpatia forçada pegando as folhas. 
Saio do prédio com a sensação de que perdi a vaga.

Acendo um cigarro. Volto a ter fôlego.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

PALAVRAS SOLTAS


risco o fósforo
fogo
acendo as ideias
é recíproco
trago
encho os pulmões
aguardo
solto
as ideias ficam
escrevo,
ou não
falo,
ou não
penso...


encho o copo
dose dupla de palavras
mais uma vez
digo, ou não
me afogam
me sufocam
me torturam
me estupram
as palavras
malditas!
as palavras estão soltas
CUIDADO!
inundam minha mente
e a sua
falta tinta na máquina
tarde demais
empunho o revólver
miro as palavras
as ideias
a cabeça...


BANG.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

T

tempo...


tempo...


TEMPO...


tempo...


temp...


temp...


tem...


tem...


te...


te...


t...




tempo te tem.



sábado, 2 de junho de 2012

FRIO


a frieza me consome
como me consomem as ideias
num dia cinza de outono
esperando a ultima folha cair,
esperando a ultima gota,
esperando a morte.
sentado,
entediado,
cansado.
e meu grito calado é alto demais pra ouvir.
é grave,
e rouco,
e desesperado.
é louco!
sou louco!
minha loucura é o que me mantém são.
minha loucura me afasta da podridão do mundo.
e me aproxima.
minha loucura me afasta da doença dos homens.
e me aproxima.
minha loucura me afasta do cheiro de merda.
e me aproxima.
minha loucura me afasta da vida. 
e me aproxima.
minha loucura me afasta da morte.
e me aproxima.
sou próximo a tudo
mas numa dimensão distante.
e só minha.
não a divido.
nem quero.
preciso ficar só.


desculpe, baby,
eu vou me fechar.