terça-feira, 1 de maio de 2012

VÍCIOS


Hoje encontrei, na bagunça de uma gaveta, um pedaço de papel velho e sujo, com uma lista de filmes escrita em uma caligrafia corrida e mal feita. Seria um bom programa para uma sexta-feira solitária. "Requiem for a Dream".

Quando criança, costumava acompanhar minha mãe onde quer que ela fosse. Aos domingos, acordava cedo para ver as corridas de fórmula 1 com meu pai. Aos 11 anos andava de bicicleta com os amigos. Aos 14 tinha uma banda de rock. Aos 18 queria entrar na faculdade. Aos 20 e já alguma coisa... não sei. É sempre ínfima a visão do presente. É traiçoeira. E quando você se joga por inteiro nele, se enrosca. Os nós são atados inconscientemente. E são precisos. E a gente se enrosca. Incomoda. Mas os vícios nos mantém. TV, video-game, livros, filmes, músicas, caminhadas, violência, amigos, mulheres, computador, cigarro, faculdade, trabalho, masturbação, compras, jogo, bebida, sono, conversas, violão, namoro, tricô, culinária, artesanato, rotina, carros, motos, viagens, seriados, coleções, família, remédios, desgraças, fofocas, drogas, religião, saudade, casa, brigas, tudo. Menos vida. A gente se prende a uma realidade forjada. Uma não realidade. A gente se prende a alguma coisa. Tem que ter alguma coisa pra amparar. Pra confortar. Pra se ocupar. O vício. Somos levados a uma dimensão só nossa. Só minha. Só sua. A dependência é uma prisão psicológica. É uma prisão social. No fundo, a gente está sempre sozinho. Cada um com sua realidade.
Nas ruas, os olhares são diferentes. E cada olhar é a câmera do protagonista. E cada protagonista vive em seu filme. Um aglomerado de pessoas que se interligam. Mas estão distantes pelas suas realidades. O roteiro não existe. E você planeja ou improvisa. O planejamento te decepciona. Mas traz a sensação de alguma certeza. De progresso. É vício. O improviso é incerto. Mas nunca erra. É improviso. E é vício. Viver a intensidade do improviso é libertário. É êxtase. De todo modo, você se prende. E é levado pela vontade de chegar alto. A inércia incomoda. Dos vícios, você escolhe aquele que vai te levar. Existe um sonho a ser alcançado. Planejado ou não. E o caminho até lá é seu vício.
Você caminha sem a consciência de estar caminhando. Você caminha pela luz. Você caminha pela escuridão. Você caminha correndo. Você caminha parado. Você caminha acompanhado. Você caminha só. Você caminha cantando. Você caminha calado. Não tem como parar. O tempo controla. E você se entrega a ele. E caminha. Caminha em sua realidade. E também nas outras. Você nasce. E morre. Você dá vida. E mata. Você respira. E asfixia. Você ganha. E perde. Você controla. E é controlado. Você traga. E é tragado. A gente mergulha fundo sem tomar o fôlego necessário. E falta ar. A visão é turva... Casa, escola, trabalho, casa, morte. O ciclo é vicioso. É cômodo. E você caminha. Em círculos. Toma seu último gole. O último suspiro. Seu requiem individual o acompanha desde a origem dos tempos. Até seu sonho... ou a lugar algum.

Qual o seu vício?