sábado, 21 de janeiro de 2012

JAZZ, ROCK, SOUL, BLUES

A cantora canta
Sou todo ouvidos
Sou olhos
Sou vontade
Sou predador...
A luz é baixa e o som é alto
O desejo implícito já não é segredo
O meu copo se esvaziou o bastante
Minha cautela também
A canção segue
E o tom também
Meu olhar prossegue
E o da cantora também
Os passos são marcados pelas notas graves do baixo
E eles vacilam, oscilam, tropeçam
Sou confusão
Sou indeciso
Sou psicótico
Sim!
Dissimulo
Engano
Finjo
Jogo...
Há algo maior, baby!
Não tem como negar
Respiro fundo e tomo coragem
Coragem, baby!
Coragem para deixar minha caça fugir
E ela foge...

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

DE PONTA CABEÇA

Nenhum homem deveria ter o direito, sobre outro, de afirmar ser seu aquilo que é bem comum da Terra, que é bem comum de todos.
O homem tem o dever de viver em harmonia com a natureza e, numa relação recíproca, dar e oferecer bens (e entenda esse "bens" no seu sentido mais amplo). E quase o faz, se não esquecesse a reciprocidade e o papo de harmonia.
"Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". E o homem transforma!... Mas transforma tanto, que o acumular passa ser mais importante do que a necessidade. Não a própria necessidade de quem transforma, que já foi saciada há tempos. Não a necessidade do HOMEM. Mas sim a necessidade de quem ainda espera para ser saciada, a necessidade que não mais grita. A necessidade dos HOMENS. E não mais grita não porque perdeu as esperanças, mas porque não tem mais energia pra continuar. Porque seu grito já foi muito calado. Porque seu grito já apanhou. Já sangrou. Já foi morto.
O mundo prossegue. Não tem como parar. Porque diabos não se pode parar a Terra?! Maldito sonho, Raul! Agora tento acordar nele também.
Desgasto-me, corroo-me, acabo-me, canso. Canso de ver tanta baboseira ser colocada em primeiro plano enquanto a tal necessidade ainda espera por saciar-se. Canso de ver a Terra se transformando, como se transforma, como "a" transformam, como a estragam. O HOMEM suga tanto quanto consegue sugar. E OS HOMENS continuam necessitando. O mundo é um paradoxo virado de ponta cabeça.
E eu tentando ficar em pé...

BONECA

Segunda-feira de ressaca. Ressaca mental. O natal faz isso com a gente. Não com toda a gente, mas com aquela gente que se pergunta o porquê de mais essa babaquisse. Enfim, era segunda-feira. Era pós natal. Era um dia qualquer.
Meu cartão de crédito havia estourado e por isso arranjei um emprego com meu tio. Ele era caminhoneiro. Visitaríamos algumas cidades do Sul de Minas. O clima bucólico das estradas de Minas me agrada. As montanhas, as plantações, os gados, as galinhas, o cheiro de merda... Eu tinha duas horas de sono e uma empolgação tão grande quanto o tempo que dormi. 
Fizemos as entregas em ordem geográfica, tendo como referência a cidade pela qual saímos: Pouso Alegre. Grande cidade. Não era uma cidade grande, mas era grande o bastante para me dar o que eu queria no pouco tempo que passava por lá. E da referência, depois de várias visitas, chegamos a Pouso Alto e partiríamos para um bairro rural do município.
A chuva decorava nosso dia. O clima cinzento em meio as serras que atravessávamos numa estrada de terra tão rústica como meu humor, me deixava ainda mais puto. Não gosto de chuva. Mas acho que nada me alegraria aquele momento.
Meu tio é daqueles que fala pouco. E do pouco que fala você ainda pode filtrar bem o que diz. Nesse agradável momento, fazia a propaganda de uma loira que nos atenderia. Começou mal. "A primeira vez que fui lá achei ela meio estranha. Ela é grande, sabe? Meio machona... fortinha... mas tem um rosto bonito. Até pensei besteira da moça, mas a voz dela é de menina. Ela tem a voz de menina. Essa eu deixaria fazer uma chupetinha! Haha... Não daria em cima dela, mas se ela oferecesse..."
Não tive esperança nenhuma, mas confesso que meu sub consciente, buscando algo parecido com a perfeição - porque é sempre isso que fazemos -, imaginou algo como uma loira gostosa de um metro e oitenta, bunda e peitos fartos, uma coxa tão grossa quanto sua educação, sua cor um pouco rosada pelo ardente sol da roça, olhar tímido, cabelos compridos e levemente encaracolados.
A viagem continuou. Barro, grama, árvores, vacas, cachorros, passarinhos, cercas, rios, pontes, estrada, mata-burros, nuvens, casas, carros, sono... Merda! Devo ter cochilado. Acordo e a primeira coisa que vejo é um pingo de chuva escorrer pelo parabrisas do caminhão. A segunda é a loira. Realmente grande. Acho que chegamos.
Saio do caminhão para ajudar a manobra para estacionar. Depois, vou levar a nota fiscal a alguém. O local era um bar. Sujo. No meio do nada. Um grupo de caras mal encarados me aponta a loira como a responsável pela nota. Ela limpava o chão do bar, no que seria uma varanda com uma mesa mal feita de sinuca. O som era alto e tocava uma música filha da puta de ruim. Dessas que não se ouve nada, só servem para manter um ritmo para as vagabundas mexerem o rabo. 
Chego até ela e... meu cacete! Meu tio acertou no grande, forte e estranha, só esqueceu de mencionar a barba mal feita, o gogó e os ombros largos. Era um ser bizarro, grande mesmo, gordo, desengonçado, assustador, de roupas curtas e uma voz que tentava, inutilmente, clonar a de uma menina. Tinha olhos claros e perdidos em algum lugar. Perdidos na busca de algum lugar. Na busca de alguém.
Tive pena. Mas tive medo antes. O homem é medíocre até nos seus atos de piedade. Eu teria ateado fogo naquela fera, num primeiro instante, e depois senti algo próximo (ou distante, porém parecido) à compaixão. Quis falar com ela (e), não por ser parte do espetáculo do diferente, mas por ser simplesmente diferente. Eu tinha a consciência de encará-la (o) como um ser igual a qualquer outro, independendo suas escolhas. Mas insistia em procurar suas diferenças com o mundo. Não que eu goste do mundo. É que sempre nos impuseram um molde, e por mais que eu fuja dele, os que fojem dele em outra direção, também serão destaque.
Terminei a entrega com a cabeça baixa. Tentei evitar qualquer contato com ela (e). Vamos embora. Não falei mais do que "onde ponho a mercadoria?". No caminho, penso nos pais da (o) moça (o). Duas cabeças tão conservadoras quanto o próprio conservadorismo. Gente religiosa, simples, sistemática. O quanto reprimiram, humilharam, maltrataram o filho (a). O quanto fizeram para que isso não se fizesse. O quanto lutaram. O quanto, também, sofreram. E nada adiantou. O indivíduo se fez como ser individual. Como ele é. Como nós somos. Únicos.
Eu vou embora, e a última cena no bar que vejo é a grande loira acertar a maquiagem no espelho do balcão. Tentando ser mulher. E de certa forma, por mais que grosseira, sendo.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

REVEILLON


Dez, nove, oito... eu já estou bêbado. E puto. Todo o mundo enchendo o bucho e a cara. Pernil, Leitoa, Chester, Bacalhau, Lentilha, Tutu de feijão, Arroz e o cacete a quatro. Cerveja, Vinho, Vodka, Rum e toda a baitolagem que tinham.
Sete, seis, cinco... eu tenho uma taça na mão. Todos tem. E ninguém pensa em outra taça, senão a sua. Dinheiro, sucesso, felicidade, saúde, "amor"... pra mim! Você que se foda. Você que reze pelas suas conquistas. Meu deus me trará tudo o que quero, porque eu tenho fé. Rezemos por todos, mas que eu seja o centro das atenções.
Quatro, três, dois... eu tenho vontade de vomitar e ainda não comi nada. O sorriso de cada um é o soco no meu estômago. Todos riem por esperar algo melhor desse ano que virá e que será igual ao que passou. E será igual porque ninguém faz nada de fato.
Um, zero... Os fogos. A Champagne estourando. A serotonina induzida. Os rostos felizes. O abraço. As palavras. E tem tanta gente que não queria dizer nada. Não queria o abraço. E o faz! Faz tudo. Por fazer parte da cortesia imposta pelo tempo. Por achar que isso faz dela uma pessoa melhor. Por ela ser educada. Por ela ter compaixão. Por ela ser alguma coisa. As pessoas tem de ser alguma coisa. 
Assistimos aos fogos. Barulho, explosão, luz, barulho. Comento com alguém que a luz dos fogos vem adiantada do som pela velocidade da luz ser maior que a do som. Foi uma das poucas coisas que eu disse na noite. Acho isso interessante. Reparo que após as explosões uma nuvem de fumaça toma o céu. Devíamos ter um espetáculo só de fumaças. O mundo tem muito mais a ver com fumaça do que com luz. E as fumaças tomam forma. Me lembram a época em que eu via coelhos de algodão nas nuvens. Mas dessa vez não eram coelhos. Não de algodão, pelo menos. Eram formas abstratas. Eram nada. Eram tudo. Eram a minha mente se expressando no escuro céu. Eram o underground. Eram eu.
Espero acabar com a paciência de que se fossem durar para sempre. E pareceram durar...
Hoje é dia primeiro de janeiro. Hoje é um dia como qualquer outro.