domingo, 1 de julho de 2012

SOBRE POMBOS


Já devia ser umas 16 hr quando desliguei o telefone. O dia já tinha sido chateante o bastante. A última gota transbordou. De monotonia. De agonia. De nervos. Mergulho a cabeça na pia do banheiro e saio para comprar cigarros. Quase não faz sentido mais mandar oxigênio para os pulmões sem a fumaça. É tudo fumaça. Lembranças, anseios, desejos, fome, sede, tesão, força, ânimo... Sombria. Cinza. Fria. Fumaça. E ela dança no vento. E se perde. E some. E desmaterializa. Foge.
Paro em um parque já com os cigarros. Sento em um banco e ascendo o primeiro. Sento e observo a vida que passa. A minha e a dos outros. E eles parecem distantes. Assisto a tudo como se fosse o único na platéia. O único a assistir essa peça chata e entediante que é a vida. A minha e a dos outros. Comerciantes, donas de casa, advogados, médicos, letrados, cientistas, religiosos, estudantes, professores, jogadores de futebol, publicitários, jornalistas, analistas, minimalistas da vida. Minimalistas... A vida mingua porque a minguam. As portas da percepção estão fechadas. Você só vê parte do todo. Você minimiza. Ignora. Destrói. O todo é preenchido com um grande vazio. O vazio incomoda. Um incômodo crônico. Você perde sua liberdade. Você se prende a esse incômodo até encontrar outro pra te chatear. E de chateação em chateação se tem a "vida".
Trago a fumaça. Liberto-a para sumir. A fumaça. Trago e vejo pombos alinhados nos fios dos postes, nas árvores, no chão. Estão olhando. Estão na sarjeta. Estão a procura de migalhas. Estão sobrevivendo já condenados à morte. Sujos. Nojentos. Marginalizados. Excluídos. No submundo. Mas voam. Vivem no lixo. Essa é a condição que lhes foi imposta. Comem lixo. Respiram lixo. Observam lixo. Mas depois, voam.
Ascendo outro cigarro. As pessoas continuam caminhando. Eu continuo observando. Me sinto mais próximo aos pombos do que às pessoas. Sempre mantive aversão a pombos. Talvez fosse essa inconsciente semelhança. É difícil aceitar o podre dentro de si. É difícil aceitar que se está no lixo. É difícil ser parte do lixo. É difícil ficar com as migalhas. É difícil ser excluído do todo. É difícil aceitar o submundo. É difícil se ver fora do conto de fadas que sempre te contaram. É difícil aceitar o real. É difícil aceitar o abuso. É difícil fugir do abuso... Observo a rua. Como as migalhas da praça. Pouso num fio de alta tensão. Cago em cima de tudo.
Termino o segundo cigarro. Caminho pra casa. Não sei voar.